1) Alberto, é mesmo verdade que ao iniciar uma pesquisa na Biblioteca Nacional o pesquisador, quase sempre, abre-se ao risco de surpreender-se positivamente?
Certamente. Eu próprio passei por isso várias vezes. A Biblioteca Nacional guarda um acervo tão grande e diversificado que é impossível prever, exatamente, o que se vai encontrar. Às vezes, no decorrer de uma pesquisa, chegam às nossas mãos documentos que não esperávamos encontrar, por não saber minimamente da sua existência. Um exemplo disso é o caso dos recitativos de salão. Acabei me deparando com este gênero de canção declamada quando fazia uma pesquisa sobre modinhas, há mais de dez anos. Naquele momento, eu não sabia nada a respeito dos recitativos de salão, cuja existência é uma destas surpresas da Biblioteca. Hoje tenho um livro e um CD dedicados exclusivamente ao gênero.
2) Nos últimos anos, a Biblioteca Nacional vem investindo em projetos de digitalização de seus acervos. Na sua opinião, qual a importância deste tipo de iniciativa? O que isso significa para historiadores e outros pesquisadores?
O esforço que a biblioteca tem feito em digitalizar seus acervos é de uma importância tamanha que ainda é difícil dimensionar seus impactos. Na verdade, a digitalização tem tornado possível fazer pesquisa de uma forma absolutamente inédita. Por exemplo, agora é possível localizar informações através de uma busca eletrônica por palavras, como nomes próprios. Ou seja, se antes seriam necessários meses para vasculhar todos os números de um periódico a procura de determinada figura histórica, hoje podemos fazer isso literalmente apertando um botão. Meu livro, Guia musical dos periódicos da Fundação Biblioteca Nacional, recentemente lançado, é um exemplo de uma publicação que eu não teria realizado sem a ajuda desses recursos digitais. Além disso, precisamos lembrar que os recursos da Biblioteca Digital encurtam as distâncias e tenho visto muitos colegas, de várias partes do mundo, fazendo pesquisas a partir de seus próprios locais de trabalho, sem a necessidade de fazer uma dispendiosa viagem ao Rio de Janeiro. E não podemos esquecer que, em tempos de pandemia, com a Biblioteca fechada ao público, os recursos digitais possibilitaram que muitas pesquisas não fossem descontinuadas. Eu próprio tenho feito uso desses recursos durante o período de isolamento social.
3) Você fez parte do programa Nacional de Apoio a Pesquisadores Residentes (PNAP-R) da Fundação Biblioteca Nacional, onde desenvolveu um estudo sobre os periódicos musicais brasileiros. Pode falar um pouco sobre a importância desse acervo na disseminação ou divulgação de música urbana, mas também gêneros dramáticos?
Minha pesquisa tem mostrado que os periódicos foram importantíssimos na disseminação de repertório musical pelo país. Alguns deles chegaram mesmo a levar música brasileira para outros países, como a França e a Argentina. Eles também fomentaram a produção musical através da realização de concursos, ou simplesmente possibilitando a publicação e distribuição de material inédito. Importante frisar que o repertório é majoritariamente música de câmara ou de salão, mas temos também alguns raros exemplos de música que era feita no teatro. Graças aos periódicos, hoje podemos ter a partitura de algumas canções dramáticas brasileiras de grande sucesso no século XIX, como é caso de “O Pica-pau atrevido”, cantada na peça O Casamento e a mortalha no céu se talha.
4) Sabe-se que a chegada da corte iniciou um processo profundo de mudanças na música carioca, afastando-a da realidade do Brasil colonial. Quem foi o protagonista dessas transformações?
A chegada da corte resultou numa transformação brutal no meio musical carioca, pois levou a um aumento das atividades musicais em todos os níveis. A figura principal em todo esse processo foi o próprio D. João que fundou e patrocinou duas das principais instituições musicais do Brasil, a Real Capela e a Real Câmara, ambas reunindo instrumentistas, cantores e compositores de elevadíssimo nível. Muitos destes músicos eram europeus e vieram ao Rio especificamente para trabalhar nestas instituições, ganhando altos salários. Além disso, possibilitando a realização de loterias com este fim, D. João apoiou a construção de uma excelente casa de ópera, o Teatro de São João, que seguia o modelo arquitetônico do Teatro de São Carlos de Lisboa.
5) O primeiro imperador do Brasil chegou a ser citado como músico por Ernesto Vieira em seu Dicionário dos Músicos Portugueses de 1900. D. Pedro I teve alguma relevância no campo da música?
D. Pedro I tem uma formação musical bastante sólida. Seu principal professor, Marcos Portugal, foi um dos mais importantes compositores portugueses de sempre. Graças a isto escreveu várias composições musicais, algumas das quais ainda podem ser vistas em manuscrito nos arquivos históricos, como é o caso do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro. Ao que consta, ele chegou mesmo a ter música sua executada em Paris, sob regência do grande compositor italiano Gioachino Rossini. No entanto, suas composições mais importantes continuam sendo os hinos que escreveu. Entre eles temos o Hino da independência e o Hino da Carta, ambos alcançaram a dignidade de hinos nacionais, o primeiro, no Brasil, e o segundo, em Portugal. Esses hinos e algumas outras composições de nosso primeiro imperador podem ser vistos no site Musica Brasilis.
Entrevista realizada por Daniel André Pacheco Fernandes (Gabinete-FBN)
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