Elmar Carvalho (*)
Conheci a imperial cidade de Pedro II no final dos anos 1970, em plena juventude, numa viagem meio intempestiva e aventureira, que fiz de motocicleta, quando morava em Parnaíba. Ela era, então, uma linda e pequena urbe, bucólica e aprazível, de clima ameno, com um acanhado comércio. Com os seus casarões solarengos, ainda bem preservados, no entorno da Praça da Matriz, parecia uma cidade extraída de uma pintura magnífica.
Agora, passados mais de quarenta anos, me surpreendeu a pujança de seu comércio, inclusive com ampliações de imóveis e novas construções, ao longo de uma larga e bela avenida. Dez anos atrás, a revi novamente. Durante este decênio notei que ela cresceu muito. Perguntei a algumas pessoas a que atribuíam esse rápido progresso.
O notável economista Felipe Mendes me disse ser uma das causas o repasse de verbas federais, sobretudo a partir do governo FHC. Troquei ideias a respeito com o confrade Reginaldo Miranda, e chego à conclusão que outras causas devem ter contribuído, entre as quais: peculiaridades e atrativos locais, que atraíram o turismo, atividades agropecuárias, hortifrutigranjeiros, artesanato, extração e comercialização de opala etc. Deixo a palavra final com os economistas e estudiosos do assunto.
À noite de sexta-feira, dia 10, dentro da meta de interiorização da Academia Piauiense de Letras – APL, houve a solenidade de nossa entidade, em parceria com a Prefeitura e a Academia Pedro-Segundense de Letras e Artes – APLA, ocorrida no Memorial Tertuliano Brandão Filho. Compuseram a mesa de honra Zózimo Tavares, presidente da APL, prefeita Elisabete Brandão, deputado Wilson Nunes Brandão, Pedro Barros, presidente da APLA, professora Fides Angélica, secretária geral da APL, Socorro Rios Magalhães, Viriato Campelo, vice-reitor da UFPI, Des. Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho, presidente da Academia de Letras da Magistratura Piauiense, e Carlos José de Oliveira Santos, presidente da Câmara Municipal de Pedro II. Fonseca Neto, na qualidade de 1º secretário da APL, proclamou em alto e bom som as efemérides da Academia.
A professora Socorro Rios Magalhães fez uma excelente palestra, sobre o tema “Literatura Piauiense: Formação do Sistema Literário Estadual”, em que discorreu sobre os primórdios de nossa literatura, com as manifestações isoladas de escritores e poetas, como Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, Leonardo de Carvalho Castelo Branco e José Coriolano de Souza Lima, até a formação de nosso sistema, com a existência do trinômio autor, obra e leitor. Em sua palestra de recepção à APL, o acadêmico (da APLA e da APL) Wilson Brandão abordou importantes fatos da história de Pedro II, bem como citou as mais ilustres figuras históricas do município, em diferentes campos de atividade, entre as quais Wilson Andrade Brandão, seu pai, que foi presidente da APL, jurista, historiador, autor de vários livros, professor da UFPI, secretário de Estado da Cultura e deputado estadual em vários mandatos.
Após a solenidade, participamos de um farto banquete na residência do casal Elisabete e Wilson Brandão, em que houve animado sarau poético-musical. Comidas e bebidas saborosas e variadas, houve à vontade. Logo à entrada, o confrade Plínio Macedo destacou que fomos “recebidos literalmente com um tapete vermelho”. Depois, pude notar que não fora apenas um “literal tapete vermelho”, mas também um metafórico tapete vermelho, pela fidalguia como fomos tratados e acolhidos. Sentei-me perto de Valério Carvalho, que já conhecia de vista, e do Raimundo Nunes, casado com Lourdes Amélia, irmã de nosso anfitrião.
Entabulei com os dois “vizinhos” uma profícua conversa sobre genealogia piauiense e sobre figuras ilustres de Floriano, terra natal de Valério. Logo que cheguei, este se interessou em folhear o meu minúsculo opúsculo “O Poeta e seu Labirinto”, uma seleta de apenas 21 poemas de minha autoria. Disse-lhe que não precisava ler os poemas, mas apenas o ensaio, nele contido, sobre a minha poesia, da lavra do professor Carlos Evandro Martins Eulálio. Tive a honra de autografá-lo ao Valério, que no dia seguinte me deu a auspiciosa notícia de que sua esposa, a médica Luciana, o havia lido na íntegra.
No sábado, cedo, fomos visitar o Mirante do Gritador. Passamos por três importantes povoados, que já começam a formar uma conurbação entre si e a cidade de Pedro II. Do mirante vimos uma deslumbrante paisagem, cercando um pequeno grupo de casas e um balneário. Em certo ponto do mirante, parece que o vento passa por uma espécie de boqueirão, e faz com que objetos leves levitem e não caiam no despenhadeiro.
O poeta Ernâni Getirana foi escalado para fazer uma breve palestra sobre a geografia e geologia do entorno. Ele nos explicou que ali, outrora, existira um mar. Acredita-se que o mesmo cataclismo que formou a serra da Ibiapaba, teve como consequência a formação do Morro do Gritador e teria escorraçado a água para a região de Luís Correia. Falou das lendas locais e do episódio que teria dado origem à denominação Morro do Gritador. Um jovem, que corria em perseguição a uma rês, teria sofrido um acidente e caído no abismo, arrastado pelo laço com que prendera o animal. Ao cair, soltara um grande grito, que reverberara nas pedras, através de sucessivos e amplificados ecos. Sugeri ao poeta uma outra versão, pela qual os gritos eram do pai, desesperado, à procurara do filho perdido. Isso me fez lembrar um poema de Mário de Andrade, sobre a Serra do Rola-Moça, cujos versos finais transcrevo:
Ai, Fortuna inviolável!
O casco pisara em falso.
Dão noiva e cavalo um salto
Precipitados no abismo.
Nem o baque se escutou.
Faz um silêncio de morte,
Na altura tudo era paz …
Chicoteado o seu cavalo,
No vão do despenhadeiro
O noivo se despenhou.
E a Serra do Rola-Moça
Rola-Moça se chamou.
Após, retornamos à cidade para conhecer ou rever as vetustas casas, em estilo colonial, da Praça da Matriz, em que se encontra um belo busto de Dom Pedro II, que declarou, que, se não fosse imperador, gostaria de ser professor. Exerceu com dignidade as atribuições (e consequentes atribulações) de seu cargo. Também vimos na sala de reunião da prefeitura um grande e esplêndido quadro, em que esse soberano foi retratado em perfeito trabalho de pintura. Infelizmente, não se sabe ao certo quem o pintou. Acredita-se tenha sido uma freira, professora de arte, do Colégio Sagrado Coração de Jesus, de Teresina, há cerca de 100 anos, que por modéstia não lhe teria aposto sua assinatura.
Ao atravessarmos a praça, o poeta Getirana nos avisou que no próximo ano pretende fazer um evento em seu espaço cultural Cruviana. Disse-lhe que desejava isso acontecesse numa noite enluarada, de forte cruviana, para que eu pudesse tomar uma generosa talagada da calibrina artesanal Cruviana, tendo como tira-gosto uma saborosa curvina.
A Jaqueline Nobre nos informou que iríamos ver as famosas redes, do artesanato local. Adverti que, já cansado da maratona, iria apenas me deitar numa rede, para melhor olhar minhas “redes sociais”. Ao chegarmos ao mercado, optei por ir tomar umas duas cervejas na boa e erudita companhia do confrade e amigo Carlos Evandro, no andar de cima, bem ventilado, que funciona como uma praça de alimentação. Visitamos também uma oficina e loja, em que as opalas eram lapidadas e transformadas em joias, onde ouvimos explicações sobre as minas, a extração das pedras e esse trabalho artesanal.
Ao passarmos por uma floricultura, o amigo Fonseca Neto apontou para uma linda planta, com lindas flores roxas, quase esmaltadas, que disse ser um getirana. Não pude deixar de me lembrar do poeta, que ostenta esse florido nome. Também, por causa da cor dessas flores, me lembrei de um outro bardo que, já idoso, talvez nostálgico de sua mocidade, escrevera estes versos, acaso queixoso dos vívidos tempos idos e vividos:
E a saudade,
Que dizem ser roxa,
Ó como é bom lembrar
Um belo palmo de coxa.
Após deixar o local das redes e das rendas, eu disse para um grupo de amigos, que a uma “redeira”, que apenas poderia me enredar, eu preferiria uma “rendeira”, que tem renda, como o nome indica, embora pudesse ficar preso nos labirintos dos bilros e almofadas. Sorrimos, e voltamos ao hotel, para almoçarmos e retornarmos a Teresina. Antes, porém, vi o Des. Oton Lustosa com duas garrafas. Ao cumprimentá-lo, ele me disse que se tratava da cachaça artesanal Cruviana. Como eu lamentasse não a ter comprado, ele, gentilmente, me ofertou um dos frascos; disse-lhe que só a beberia quando fizesse uma forte cruviana em Teresina, quando a degustaria com um tira-gosto de curvina. Ele me informou que curvina, hoje, só as há, quiçá, na lagoa de Parnaguá.
Fizemos uma boa e rápida viagem de retorno, sem nenhum incidente e acidente, ao menos dignos de nota, de modo que este escrivão dá por encerrado este breve relato.
(*) Poeta e titular da Cadeira 10 da APL.