Baurélio Mangabeira

Benedito Aurélio de Freitas, por alcunha Baurélio Mangabeira, nasceu às 18:00h do dia 18 de julho de 1884, na fazenda “Pau d’arco”, Município de Piripiri, filho de Aureliano de Freitas e Silva e Izabel Rosa da Silva. Era bisneto do notável padre Domingos de Freitas e Silva, o principal fundador da cidade de Piripiri.

Órfão de mãe desde o nascimento, vez que a genitora morrera no parto, e de pai desde os cinco anos de idade, foi criado sob os cuidados da tia e madrasta Carolina Rosa da Silva, tendo em vista seu pai depois de viúvo ter convolado novas núpcias com uma cunhada, como a anterior sua sobrinha, com quem teve mais três filhos. Sem pai e sem mãe, transcorreu sua meninice sem muito regramento, desde cedo correndo solto nos arredores de Piripiri, banhando em riachos, subindo em árvores, armando arapucas para apanhar aves e fazendo outras estripulias. É quando foi aberta pelo professor Nelson Francisco de Carvalho, uma escola de primeiras letras para alfabetizar as crianças de Piripiri, que até então não existia. O menino Benedito Aurélio foi mandado imediatamente para essa escola, surpreendendo o mestre pelos rasgos de inteligência. Concluída essa etapa, aos 12 anos de idade, foi enviado pelo avô Porfírio de Freitas e Silva para a cidade de Barras, onde concluiu os estudos primários, os únicos cursados em escola regular, prosseguindo como autodidata. Completada a maioridade, muda-se para a cidade de União, “onde começou a trabalhar em misteres humildes e depois como balconista na farmácia Guerreiro, daquela cidade. Daí passou para a farmácia do Sr. Tersandro Paz, em Floriano e Teresina. Nessa última, que então era o melhor estabelecimento no gênero, neste Estado Baurélio habilitou-se como farmacêutico prático e conseguiu juntar um pecúlio regular, com o qual começou a comprar livros. Em seguida surgiu pela imprensa publicando sonetos líricos amorosos, mas que chamavam atenção (…) pela cadência, ritmo e beleza de imaginação”. Em toda a sua vida, foi essa a fase em que esteve mais equilibrado financeiramente. Todavia, “à proporção que ia ingressando no Parnaso e que o estro se desenvolvia calorosamente com aspectos panorâmicos de belezas transcendentais, ia o poeta afrouxando a dedicação ao trabalho quotidiano”, entediando-se até abandoná-lo completamente e entregar-se de vez à boêmia, primeiro em Parnaíba e depois em Teresina e outras localidades, consumindo todas as suas economias. Entregou-se ao vício do alcoolismo e tabagismo. Desde então, passou a viver com dificuldades financeiras.

Na poesia iniciou-se seguindo a tendência naturalista defendida por Mauricio Le Blande e Émmile Zola. Somente depois, impressionado com a leitura das poesias satíricas de Bocage, tornou-se humorístico e causticante. Por esse tempo, publica Sonetos Piauienses(1910), panfleto de versos humorísticos e agressivos. Nessa ocasião, lembra Alarico José da Cunha em seu discurso de posse na Academia Piauiense de Letras, principal fonte dessas notas e autor das citações entre aspas, que “um dos atingidos pelas sátiras do poeta, ameaçou-o de um surra em plena rua de Teresina. Tendo conhecimento da desagradável promessa, Baurélio dirigiu-se ao Chefe de Polícia, (…), solicitando que este providenciasse no sentido do seu agressor adiar a surra por uma semana, pelo menos, a fim de poder ele terminar um serviço que havia começado”. Felizmente, a tal promessa não se concretizou e nosso poeta pôde continuar circulando livremente pelas ruas de Teresina.

Alarico da Cunha, no mesmo discurso lembra também a engenhosa e interessante versão do poeta para o seu pseudônimo. Porque sua desditosa mãe houvera feito uma promessa para São Benedito, santo de sua predileção, mas este o abandonara à própria sorte, desprezou o nome do taumaturgo, mas em reverência à veneração da mãe conservou o B inicial e etimológico que, junto com a palavra Aurélio, parte do nome de seu pai e do grande imperador filósofo Marco Aurélio, deu em resultado a palavra vibrátil, elegante e sonora Baurélio. E porque o sobrenome Freitas pouco lhe dizia, substituiu-o por Mangabeira, nome de uma árvore que por aqueles dias era fonte de riqueza no Piauí, produzindo magnífica borracha. Para ele, Baurélio Mangabeira, significava poder, sabedoria e riqueza – os três principais fatores do progresso e da civilização.

Jornalista andarilho, repentista e tribuno ardoroso, andava com um prelo portátil e em qualquer parte onde estivesse editava seu jornal A Jornada, periódico ambulante que manteve por vários anos, sendo ele sozinho e a um tempo, redator, revisor e tipógrafo. Redigia, compunha, executava clichês de madeira para ilustrar o jornal e, afinal, o imprimia. Modelava também em zinco e era exímio desenhista, pintor, xilógrafo e escultor. Colaborou também na revista Alvorada(1909) e nos jornais A Chaleira, O Porvir, O Norte, O Grito e O Periperi. Consagrado na literatura, em 1917 participou da fundação da Academia Piauiense de Letras, tomando assento na cadeira n.º 6.
Contraiu matrimônio, um tanto retardado, na cidade de Alto Longá, onde exerceu o cargo de juiz distrital, com a senhorita Raimunda de Oliveira Freitas, deixando desse consórcio os seguintes filhos: Francisco de Assis, José Henrique e Maria de Lourdes.

Para Alarico da Cunha, “Baurélio Mangabeira foi sempre um torturado na sua peregrinação terrena e uma vitima da indiferença do meio. Mantinha, entretanto, uma verve chistosa e humorística, com a qual disfarçava gostosamente os seus pesares ou ‘as tormentas da vida’” (CUNHA, Alarico José da. Discurso de Posse. Revista da APL n.º 17. Teresina: Imprensa Oficial, 1938).

Faleceu Baurélio Mangabeira na cidade de Teresina, em 16 de abril de 1937, com quase 53 anos de idade.

Como mostra de sua produção literária, segue o poema Revelações: “Não julgues que, se a sorte não maldigo,/ Seja porque minha alma não sofreu/ Os travos da desgraça – agro castigo,/ Que dizem vir do Inferno ou vir do céu.// Pouco tempo meu pai viveu comigo:/ Cinco rápidos anos e morreu./ E minha mãe, com lágrimas te digo,/ Dentro de algumas horas faleceu.// Escuta lá: Nos cemitérios vastos/ Os ossos de meus pais devem estar gastos/ Pelo tempo que tudo estraga e rói…// Olha: quem nessa estrada cai,/ Sem ter mãe, minha filha, e sem ter pai,/ Há de sentir o quanto a vida dói…”.

Lucídio Freitas

Nasceu em Teresina, a 5 de abril de 1894, filho do intelectual Clodoaldo Severo Conrado de Freitas e sua esposa Corina Freitas.

Fez os primeiros estudos no Liceu Piauiense, onde concluiu os Preparatórios. Orientado pelo pai, desde cedo adquiriu sólida cultura humanística. Compôs seus primeiros poemas ainda na adolescência.

Em 1912, aos 18 anos de idade, estreou em livro com Alexandrinos, coletânea de versos, em parceria com o irmão Alcides Freitas. O livro foi bem recebido pela crítica literária, angariando elogios. Por aquele tempo, a casa de seu pai era um dos pontos de encontro da intelectualidade piauiense. Nesse mesmo ano, preocupado com a preservação da memória cultural do Estado, distribuiu questionário aos intelectuais, depois publicando as respostas, com o objetivo de definir, na visão dos mesmos, quem era e quais foram os principais intelectuais do Estado, bem como avaliar o movimento literário local e as expectativas para o futuro (QUEIROZ, Teresinha. Os Literatos e a República. Teresina: FCMC, 1994).
Em 1914, aos 20 anos de idade, seguiu para o Recife, matriculando-se na Faculdade de Direito. Mais tarde, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde concluiu o curso, bacharelando-se em Direito no ano de 1916. Ainda estudante chegou a ser nomeado promotor público da comarca de Amarante, não tendo assumido efetivamente o cargo.

Durante sua estada no Rio de Janeiro, participa da vida literária, guiado por seus parentes Amélia de Freitas e Clóvis Bevilacqua.

Depois da formatura, retorna para Teresina, onde se demora por pouco tempo. Ainda em 1916, mudou-se para Belém do Pará, onde iniciou intensa atividade profissional. De imediato, passou a militar com destaque na imprensa local. Em 1917, publica Vida Obscura, seu segundo livro de poesia, que adquire grande aceitação no meio literário. Segundo a crítica especializada, Lucídio Freitas se afirmaria como um dos maiores líricos da poesia piauiense, com versos sonoros, rítmicos e perfeitos.

Por concurso público, assumiu a titularidade da cadeira de Teoria e Prática Processual na Faculdade de Direito do Pará. Sua tese foi publicada em 1919, com o título de Direito Processual. Por esse tempo, ingressa na magistratura, sendo nomeado Juiz Substituto da 4ª Vara Criminal de Belém. Portanto, ainda jovem estava com seu nome consolidado no Pará, como poeta, jornalista, magistrado e professor.

Em Belém, casou-se com a jovem paraense Maria Oceanira Amazonas de Figueiredo, de cujo consórcio gerou alguns filhos, entre esses Genuino Amazonas de Figueiredo Neto, residente no Rio de Janeiro.
O poeta Lucídio Freitas foi descrito por seu primo Cristino Castelo Branco, como loiro, bonito, amável, simples, alegre, comunicativo, bem educado, trajando sempre com esmero, causer delicioso, pleno de elegância, de graça, de espírito, de finura e de distinção, parecendo um ser à parte, baixado do Olimpo à terra (CASTELO BRANCO, Cristino. Vida Exemplar. Teresina: APL, 1922).

Todavia, conforme anotou Monsenhor Chaves, “quando tudo na vida lhe sorria, apareceram os primeiros sintomas da pertinaz moléstia que cedo o levaria ao túmulo” (CHAVES, Joaquim. Apontamentos Biográficos e outros).

No final de 1917, doente, veio a Teresina repousar por alguns dias. Entretanto, a atividade literária não permitiu o completo repouso. No início do mês de dezembro, no jardim público da Praça Rio Branco, profere conferência sob o título Elogio do Heroísmo, versando sobre a Guerra Mundial. Reuniu-se com a intelectualidade piauiense por diversas vezes e, em 31 de dezembro, presidiu a reunião fundadora da Academia Piauiense de Letras, passando a ocupar a Cadeira n.º 09, tendo por patrono seu falecido irmão Alcides Freitas. Mais tarde, também ele foi escolhido patrono da Cadeira n.º 23.

Com a saúde abalada pela tuberculose, retornou a Belém, onde continuou a sua atividade profissional. A doença agravou-se, retornando a Teresina por algumas vezes, e onde faleceu a 14 de maio de 1922, aos 28 anos de idade. Pouco antes do óbito, por iniciativa de seu venerando pai, foi publicado seu último livro, Minha Terra.

Essa síntese biográfica deixa transparecer a pujança intelectual de um jovem promissor falecido no alvorecer da vida, quando muito ainda poderia contribuir para o fortalecimento da cultura brasileira. Todavia, mesmo em sua curta existência legou ao povo piauiense a Academia de Letras, como seu principal idealizador. A ele, portanto, rendemos sinceras homenagens.

Enfermo, no leito de morte, com a família sofrendo muito, arrancou do velho pai, que já perdera outro filho, emoções em forma de sonetos: “Dou-te esperanças que não tenho, e ponho/ Nessa doce ilusão minha ventura…/Mártir do amor de pai, quanta amargura/Me punge ao despertar de cada sonho!//Eu nunca me prostei ante os altares/Nem jamais invoquei de Deus o nome;/Vendo entretanto o mal que te consome,/Ergo, contrito, ao céu tristes olhares!//Bem sei que as leis fatais da natureza/Não se amoldam jamais ao nosso pranto,/Não têm jamais da nossa dor piedade!//Na agonia mortal dessa certeza,/Contemplo a definhar, cheio de espanto,/Gênio, glória, beleza e mocidade!”. Também: “A esperança é o pão dos desgraçados…/Dele há muito me venho alimentando!/Onde o coração humano e quando/Golpes tão fundos recebeu dos fados?//Pobre Corina, companheira aflita,/Mais do que eu, talvez, desatinada!/Ai mãe! Triste mulher! Tão malfadada/Foste em tua prole, Niobe bendita!…//Sofro, dobrado, filho, o teu tormento,/Todo o meu ser concentro em tuas dores,/Minha vida, minh’alma e pensamento!// Sofresse o teu sofrer e eu pudesse/Transferir para mim tantos horrores,/Talvez menos horrores padecesse…”

Para finalizar, sobre a própria dor, bradou Lucídio Freitas: “Perscrutadoramente os olhos ponho/No que fui, no que sou, no que hei de ser,/E alucinado dentro do meu sonho/Sinto a inutilidade do nascer.//Nem o Amanhã da Vida me conforta./E eu sigo, enquanto minha estrela foge,/Amparado na minha própria sombra…//Para vencer, em meio à Vida,/Montei, fogoso, o meu corcel./De pluma ao vento, lança erguida,/Sonhando achar, em meio à Vida,/De ouro montanhas a granel…//Ah! Fui vencido em meio do combate/Pela força brutal da Realidade,/…………………………./Os meus sonhos de glória feneceram./E eu fui sempre um sonhador divino./Cedi à leis fatais do meu Destino,/Doença da qual os meus Irmãos morreram…”.

ALCENOR Rodrigues CANDEIRA FILHO

(1947). Terceiro e Atual Ocupante da Cadeira nº 19 da APL.

Poeta, cronista, ensaísta e professor, nascido em Parnaíba (1947). Bacharel em Direito. Procurador do INSS em Parnaíba. Professor da Universidade Federal do Piauí – Campus Ministro Reis Veloso. Bibliografia. Literatura: Sombra entre ruínas (1975);

Rosas e Pedras (1976); A insônia da cidade (1991); Aspectos da Literatura Piauiense (1993); Literatura Piauiense no Vestibular (1995) e Das formas de influência na criação poética (1980). Em 1998, lançou um livro de poemas: Memorial da cidade amiga. Pertence à Academia Parnaibana de Letras e à Piauiense de Letras, ocupando, respectivamente, as cadeiras de números 4 e 19.

Poetas dos mais eloquentes, um piauiense da atualidade. Eis uma poesia sua de muita sensibilidade e opulenta criatividade:

VAREIROS DO RIO PARNAÍBA E OUTRAS HISTÓRIAS

senhor prefeito deputados vereadores
professores estudantes escritores
canoeiros pescadores pecadores beatos burgueses barnabés,
vamos todos atrás do vento procurar quatro palavras
que a voragem do vento levou:
– Vareiros do Rio Parnaíba.
se o vento fala o vento ouve,
portanto garganta aberta gritando no ouvido do vento
todos nós a uma só voz:
cadê os Vareiros do Rio Parnaíba? verba volant, scripta monent…
mas cadê os Vareiros do Rio Parnaíba?
se não estão nas garras do vento estarão boiando rio abaixo rio arriba?
neste caso se não os pescarmos
como então recriar
as aventuras do João Ventura
as travessuras do Pesado das Aroeiras
as desventuras de outros tipos mais?
como então recompor a obra maior do jornalista simples
que simplesmente não apostou na posteridade
e que simplesmente voou para o céu?
minha gente do porto das barcas parnaibanos do porto salgado
negros das charqueadas dos Dias da Silva
homens e mulheres da
beira rio beira vida: sousalimamente falando
cadê os Vareiros do Rio Parnaíba?

Comentários 

Alcenor Candeira Filho é um escritor dos mais completos – poeta, ensaísta, conferencista e historiador da cultura piauiense – possui qualidades que honram qualquer instituição do Estado e do País. No campo profissional, é professor dos mais competentes, com larga folha de serviços prestados à sua terra. É ainda autor de várias obras publicadas, cuja enumeração ultrapassaria o espaço desta nota. (M. Paulo Nunes).

Fonte: CANDEIRA FILHO, Alcenor. Memorial da Cidade Amiga. Teresina: Projeto Petrônio Portela/ FUNDEC, 1998.
CANDEIRA FILHO, Alcenor. Antologia Poética. 2ª ed. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2016, Coleção Centenário nº 65.

AFONSO LIGÓRIO Pires de Carvalho

(1928). Quarto e Atual Ocupante da Cadeira nº 29 da APL. 

(Porto Alegre, Piauí, hoje Luzilândia, 20.10.1928). Jornalista, cronista, contista e professor. Descendente de uma das mais tradicionais famílias piauienses – Pires de Carvalho. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.

Jornalista dos mais conceituados e dinâmicos da imprensa brasileira Teve merecido destaque a sua atuação nos jornais Última Hora, de São Paulo, Diário de Pernambuco e Correio Brasiliense. Professor de introdução à Ciência da Comunicação do Centro Universitário da Universidade de Brasília (CEUB). Obras publicadas: Só esta vez, contos, traduzidos para o espanhol e para o inglês. A Hora Marcada, Tempos de Leônidas Melo  e Capitania do Açúcar.

Comentários 

Tempos de Leônidas Melo abre novos caminhos para um debate sério, capaz de descobrir os mandantes e responsáveis pela fase negra e desumana de nossa história. Indubitavelmente, o resultado há de ser conducente a inocentar o Governador Leônidas Mello que, pela sua conduta retilínea, seu comportamento exemplar e pela sua honestidade, já foi absolvido pelo povo piauiense que o elegeu, depois do governo ditatorial, deputado federal e senador da República.

Fonte: CARVALHO, Afonso Ligório Pires de. Tempos de Leônidas Melo.
CARVALHO, Afonso Ligório Pires de. Capítania do Açúcar. 2ª ed. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2018, Coleção Centenário nº 96.