(1945). Terceiro e Atual Ocupante da Cadeira nº 7 da APL.
Médico psiquiatra, professor, historiador, romancista e ensaísta, nasceu em Ribeiro Gonçalves, Estado do Piauí, em 1945. Formado em Medicina. Especialidade: Psiquiatria. Curso de Administração Hospitalar. Coordenador do Programa de Saúde Mental do Piauí.
Pertence à Associação de Escritores Médicos. Membro da União Brasileira de Escritores-UBE (PI). Professor de Psicologia Médica e Medicina Legal da Universidade Federal do Piauí. É atualmente Diretor do Hospital Areolino de Abreu, em Teresina. Jornalista. Bibliografia. Essências em Conflito, 1981; Nas Pegadas do Rio, romance, 1983; Juvenílias, 1985; Ribeiro Gonçalves – um município do tamanho do mundo, 1988; Um Certo Érico Veríssimo I e II, respectivamente, editados em 1992 e 1993; A Voluntária da Pátria, 1993; O Mundo é de Valdevino Sandeu, 1994; e Complexo de Saturno – Paranóia e estudos outros, 1996, e Para um Psiquiatra Piauiense, pesquisa histórica, 1994. Pertence à Academia Piauiense de Letras, ocupando a cadeira nº 07, cujo patrono é o ex-governador Anísio Auto de Abreu.
A GENIALIDADE, A DOENÇA E A PERSONALIDADE EM MACHADO DE ASSIS
Considerando-se genialidade como a qualidade do poder criador da inteligência e do pensar que extrapola os limites psicométricos do homem a conduzir- se na mediana psicossocial segundo o padrão do que se convencionou aceitar como normalidade, pode-se afirmar que Machado de Assis, um autodidata, foi um gênio; e o foi equiparável a Pascal, a tirar muito praticamente do nada apreendido na escolaridade. Inúmeras foram as situações literárias que Joaquim Maria produziu a explorar os aspectos psicológicos conflitivos dos dois mundos estruturais e dinâmicos da mente: o consciente e o inconsciente, e isto, seguindo no seu escrever literário, quase que, a rigor, as recomendações semiológicas da medicina psiquiátrica, particularmente quando trata dos delírios confuso- oníricos de Brás Cubas, os delírios de ciúme de Dom Casmurro (Bentinho ou Bento Santiago), cujo protótipo pode-se identificar no Otelo shakespeariano, e seu relacionamento edípico com Capitu (identificável a Desdêmona); veja-se aqui a similitude por assonância dos três nomes femininos marcantes na vida do escritor: Leopoldina (mãe), Carolina (esposa) e Capitulina (personagem). Proposital? Jogo inconsciente? Vejamos também a psicopatia de Quincas Borba, na qual vem mostrar-se um estado psicótico-terminal de etiologia indubitavelmente sifilítica, e a psicopatia perversa, friamente perversa e calculista de Pedro Rubião de Alvarenga, para citar somente estes, ressaltando-se ainda as situações de fiasco que pontuam seus contos de temas enfermiços e letais.
Doente da alma desde o temperamento fronteiriço e misto de esquizóide com epileptóide até a enfermidade neuropsíquica – a epilepsia –, há quem, como o senhor Gondim da Fonseca, arrebatado pelos encantos retóricos da psicanálise ortodoxa, negue-lhe o acometimento comiscial e o diagnostique duma histeria pura, quando se sabe, por razões compreensíveis, ser a maioria dos epilépticos carregados de traços histéricos secundários.
Epilépticos (e histéricos em certo grau) foram vários outros gênios da literatura, como Dostoiévski, Flaubert e Proust, sendo este todavia dado como “espasmofílico” e que, além de histérico, era afeminado; tinha em comum com Machado, no proceder literário e psicológico, a fixação memorialista compensatória de uma outra fixação, a que os psicanalistas chamaram de anal-sádica; Mareei Proust mergulhou fundo em sua recherche de temps perdu.
Outro proceder marcante do autor de A Mão e a Luva era a ironia fina e ostensiva dos contos mas principalmente das crônicas ligeiras; não sabendo rir, comprazia-se em fazer chistes, isto é, em criar situações cômicas, caricaturizando a vida para fazer rir os outros. Freud explica. Leia-se seu trabalho “O chiste e sua relação com o inconsciente”, escrito três anos antes da morte de Machado de Assis – que parecia acompanhar com avidez tudo o que doutrinava o mestre vienense.
O sentimento de inferioridade social oriundo de suas raízes e alimentado pela doença estigmatizante fazia-o vingar-se da sociedade folgazã, pondo-a no ridículo; muito ansiara crescer nela quando jovem para depois, levando uma vidinha de maré-mansa de alto funcionário público e conceituado escritor, menosprezá-la em suas “balas de estalo”, levando-a a rir-se de si própria, e na falta de entusiasmo pelos momentos histórico-sociais da sua época: no mês de maio de 1888, por exemplo, escreveu quatro crônicas em que a libertação dos escravos não ganham qualquer aplauso; uma no dia 4 debochando da abertura das câmaras para a Princesa anunciar a iminência do grande evento; outra no dia 11 para mangar das festas públicas vesperais; a terceira no dia 19 para chamar o movimento de hipócrita recheado de grossa demagogia (no dia 13, no entanto, impulsivamente pula dentro do carro da turma de Joaquim Nabuco e sai dando vivas pelas ruas); na quarta crônica, a do dia 27, esquece esse assunto e passa a pilheriar sobre o meteorito Bendegó que o navio “Arlindo” transporta da Bahia para o Rio.
Finalmente, voltando ao tema loucura, Machado, antes do cientista Lange (e outros mais), em saborosa sátira, lança as bases da antipsiquiatria, com Simão Bacamarte batendo cabeça para compreender, in totum, as razões básicas do adoecer psíquico e terminando por morrer em confinamento auto-imposto, sem chegar a nenhuma conclusão. Outro desfecho de fiasco; um final machadiano.
Com as coisas sérias que tem medo de enfrentar, o gênio ri e diz verdades.
Comentários
Seu recente livro – Um certo Erico Veríssimo, além das admiráveis qualidades de estilo que nele se surpreendem, como que resgata a boa tradição da interpretação literária. Constitui um instigante convite à leitura, na melhor lição da crítica impressionista. Fiquei tentado a reler o Érico, de quem me confesso modesto cultor e monografista, após sua leitura. É um estudo inteligente; arguto, perquiridor, de quem se dedica ao seu ofício com uma grande paixão. Gostaria que mais pessoas o lessem e fruíssem como eu um bom momento da interpretação da obra literária. Meus parabéns. (Manoel Paulo Nunes)