Uma das mais antigas academias de letras do país faz 100 anos. Fundada em 1917, por uma ativa geração de escritores, a Academia Piauiense de Letras chega ao seu centenário com muito a comemorar, com destaque para a Coleção Centenário, conjunto de 135 livros (parte significativa editada), com possibilidades de edição de mais títulos, organizada em torno de obras piauienses de história, geografia, sociologia e, principalmente, literárias no sentido específico do termo. A maioria dos livros compõe-se de obras de domínio público já sem edição na atualidade; muitas, embora de relevância para se entender o Piauí, sequer eram conhecidas das gerações de hoje.
À frente da Casa de Lucídio Freitas, o escritor, professor universitário e defensor público Dr. Nelson Nery Costa, que promoveu uma revolução na instituição (a história e o tempo cuidarão de registrar isso) e que foi recentemente reeleito para gerir os destinos da entidade por mais dois anos (2018-2019), fala sobre os projetos, obstáculos e desafios da instituição, renovando as esperanças em uma literatura que, de olho no sagrado papel de preservar a memória, renova-se.
(ASCOM APL) — Nos dois anos de mandato, qual dos projetos o senhor destaca como primordial?
Ninguém representa a si próprio, mas a seu grupo social ou a sua geração, assim nada mais sou do que a expressão dos escritores que hoje compõem a Academia Piauiense de Letras. Tive a oportunidade de ingressar na instituição relativamente cedo, com pouco mais de quarenta anos e agora como seu presidente, inicialmente por dois mandatos. Excepcionalmente, em razão das festividades do Centenário, em 30 de dezembro de 2017, que já começaram e vão se desenvolver no próximo ano, fui eleito para mais um mandato, o terceiro. Nos próximos dois anos, então, vamos desenvolver várias atividades, em 2018, tanto pelo Centenário da Academia, como pelo Centenário da Revista da Academia Piauiense de Letras, com o primeiro número lançado em 1918, uma das mais longevas do país, publicada até hoje. Em 2019, fazem trinta anos da doação da sede da Academia, também motivo para mais celebração. Talvez, nos próximos dois anos, minha missão principal seja auxiliar no desenvolvimento da cultura local.
(ASCOM APL) — Da Coleção Centenário, quantas edições faltam ser publicadas?
A Coleção Centenário tem vida própria e está traçando seus próprios caminhos. Iniciou sem uma fixação de número, ainda na gestão do Reginaldo Miranda, mas alusiva ao Centenário da Academia Piauiense de Letras. Depois, foi planejada por mim a edição de cem números, divididos em duas partes. A primeira parte, com 51 obras, já foi completada; da segunda, foram lançados 30, com 8 prontas, mas não lançadas e 24 em produção. Porém, atualmente, planejo chegar até o número 140, mas foram lançados o nº 101, Zodíado, de Da Costa e Silva, bem como o nº 132, Argila da Memória, do Clóvis Moura, pois não dá para seguir a ordem numérica, vez que os livros têm tempos diversos de produção.
(ASCOM APL) — Como foram selecionadas as obras da Coleção Centenário, quais critérios adotados?
Acredito que no início a coleção não tivesse bem um caráter, assemelhado talvez a outra importante coleção, que foi os Grandes Textos, com noves exemplares, três dos quais foram também reciclados para Coleção Centenário. No entanto, eu vejo que desde o começo passou a ter um padrão, de expor as tessituras da literatura e da pesquisa feitas no Piauí ou sobre o Piauí, como um grande calendoscópio cultural. Assim, em torno dos escritores da própria Academia Piauiense de Letras, mas não só eles, inclusive outros bens anteriores, como Leonardo Castelo Branco e Padre Antônio Vieira, que não tiveram nada com a instituição. Foram selecionadas as formas literárias, como poesia, contos, romances e crônicas, e as obras técnicas de história, de geografia, de sociologia ou de economia, do século XVII ao século XXI. Os autores mais significantes tiveram mais de uma obra, como Higino Cunha, Clodoaldo Freitas e outros. Em alguns casos, aglutinaram-se dois livros, como na obra de Renato Castelo Branco, que tem seu romance Teodoro Bicanca junto com o clássico da sociologia local A Civilização do Couro.
(ASCOM APL) — À frente da APL, qual foi o seu grande desafio?
O financeiro, sem dúvida, pois a Academia Piauiense de Letras vive em meio a muita penúria e é surpreendente que tenha sobrevido cem anos, pois do ponto de vista econômico já devia ter perecido há muito tempo, como ocorreu com inúmeras outras instituições semelhantes. A força interior da instituição, sim, mostra-se muito poderosa e capaz de resistir a tudo, seja pela perseverança, seja pela energia positiva que dela emana. Desse modo, tal deve ser meu principal desafio para que ela possa ter recursos e mostrar toda sua pujança com a publicação de obras, com a realização de evento e com a produção dos acadêmicos nos principais jornais e revistas do Piauí. Com a boa vontade do Governo do Estado e da Prefeitura de Teresina, foi possível a Academia continuar a realizar seus propósitos, auxiliada ainda pela Universidade Federal do Piauí, pela Gráfica do Senado Federal e pelos recursos do Siec, além da boa vontade de muita gente.
(ASCOM APL) — O que tinha planejado fazer e não houve tempo hábil?
Faltou ligar a Academia Piauiense de Letras ao século XXI e isto só vai ser possível quando melhorar muito seu site www.academiapiauiensedeletras.org.br e quando interagir mais nas redes sociais. Por hora, por mais relevante que seja na vida social piauiense, a instituição está muito distante das novas gerações, dos secundaristas e dos universitários, assim como das pessoas mais pobres e dos que vivem fora de Teresina. Não foi por falta de tempo, não, foi por pura incompetência, que nem eu, nem os outros acadêmicos que tentaram me ajudar, avançamos na questão na linguagem e da tecnologia. Espero, agora, com muita coisa andando sozinha, ter mais tempo para me dedicar ao aperfeiçoamento do site, que possamos oferecer alguns livros digitalizados em pdf para acesso ao grande público, como o nome provisório de “Livros na Rede”, alguns da Coleção Centenário, em 2018. Por outro lado, acho necessário que a Academia participe de outras mídias, como facebook, instagram, youtube e outros meios. Ah, apesar de não ser da responsabilidade financeira da Academia, também não houve a premiação de cem mil reais do Enéas Barros, no Concurso H. Dobal, mas vamos tentar resolver o problema, em 2018.
(ASCOM APL) — Qual a sua meta para o biênio 2018/2019?
A Academia Piauiense de Letras vai ter o incremento de despesas com o funcionamento do Museu da Cultural Literária Piauiense e com as festividades previstas para os próximos dois anos, de modo que talvez meu maior objetivo seja dar sustentabilidade financeira para a instituição. Tentei muito e consegui bons recursos, com base na imagem da Academia, nos meus relacionamentos pessoais e também com a boa vontade de muita gente das secretarias estaduais e municipais e da Fundação Monsenhor Chaves, enfim, dos simples servidores públicos aos principais gestores. Sinto, porém, que não foi o bastante. É preciso que tais recursos sejam permanentes e também que a instituição possa sobreviver bem depois de concluído meu terceiro mandato, hora então de ir embora, mas gostaria de deixar a casa arrumada para o próximo Presidente da Academia. Junto com o Prof. Fonseca Neto, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense, pretende a Academia assumir a gestão do prédio público estadual onde funcionou o Tribunal de Contas e depois o fórum de Teresina, para transformá-lo em um centro cultural, tudo com base na revitalização da área histórica da Capital.
(ASCOM APL) — Quais projetos pretende desenvolver?
Acima de tudo, a realização das festividades alusivas ao Centenário da Academia Piauiense de Letras, com uma longa programação em andamento, como a inauguração do Museu da Cultura Literária Piauiense e da reforma de sua sede, na Av. Miguel Rosa, sul, no começo do próximo ano, e a solenidade do Centenário, no dia 24 de janeiro, data da instalação da Academia, antigo Dia do Piauí. Vai ser a reunião mais relevante, inclusive com a entrega da Medalha do Centenário, em amplo auditório. No primeiro semestre do próximo ano, continua-se a lançar obras da Coleção Centenário e da Coleção Século XXI. Deve ocorrer o lançamento também de série especial chamada Coleção 100ANOS, inclusive com a obra do Des. Nildomar Silveira, O Livro do Centenário da Academia Piauiense de Letras, e outras reedições, como Antologia da Academia Piauiense de Letras, de Wilson Gonçalves, Os Fundadores, e, inéditos, História da APL, de Celso Barros, e, História Piauiense: aventura, sonho e cultura, de minha autoria, com quase mil páginas, em 17 de março de 2018. Dra. Fides Angélica Ommati está me ajudando a organizar o Seminário Piauí 2100, que tem a intenção de refletir sobre o Piauí e de como estará o mesmo no final do século XXI, em termos de desenvolvimento econômico e social, de sustentabilidade, de temperatura, e de cultura, que deve contar com palestra de encerramento do Min. João Paulo dos Reis Veloso. Pretendemos promover concurso literário para o ensino médio e também para o ensino universitário, em poesia, conto e crônica, com premiação até setembro do próximo ano, com recursos já assegurados. Em 2018, ocorrerá também o Centenário da Revista da Academia Piauiense de Letras, com dois números previstos para o próximo ano.
(ASCOM APL) — O orçamento da cultura é baixo, como o senhor sabe por já ter presidido o Conselho Municipal de Cultura. Qual o orçamento disponível da APL?
A Academia Piauiense de Letras tem recursos próprios da venda dos livros por ela editados e também do aluguel de imóvel na rua Álvaro Mendes, o que não é muito mas ajuda no seu custeio. Parte do seu pessoal vem de órgãos públicos, como cedidos, e outros contratados. A instituição também tem projetos junto a Secretaria de Estado do Governo, com o Dep. Merlong Solano, junto à Fundação Monsenhor Chaves, com o Dr. Luís Carlos, e junto ao Siec, sob a liderança do Dep. Fábio Novo, além de tentar captar com a Lei Roaunet e também junto à Fundação Roberto Marinho. Ou seja, há muitos projetos, resultados de negociações e de captações. Tivemos muito auxílio do Grupo Claudino, mas hoje nossa parceira é com as Drogarias Globo. Não é fácil conseguir recursos para a cultura, mas não é impossível, pois existem muitas fontes.
(ASCOM APL) — No momento, há algumas vaga a ser preenchida?
Sim, a Cadeira nº 24 está vaga, tendo a mesma por patrono Jonas de Moraes Correia, da qual Paulo de Tarso Mello e Freitas era o quarto ocupante, tendo falecido no começo de 2017. Para o preenchimento da referida cadeira, precisa-se de maioria absoluta, com vinte votos, dos trinta e nove com validade, o que não foi preenchido no último edital, mesmo em dois turnos, em que um candidato conseguiu muitos votos, mas não o suficiente para seu sucesso. Assim, vai ser lançado novo edital, tão logo a nova Diretoria tome posse e que acabe o recesso do mês de janeiro de 2018; provavelmente em fevereiro próximo haja a abertura da concorrência para a Cadeira nº 24. Espero não ter nenhuma mais até o final da gestão, pois além de dar muito trabalho é sempre triste ver a partida de um confrade. Apesar disto, vou contar uma anedota atribuída ao Prof. Manoel Paulo Nunes, nosso grande líder ainda hoje, em que um escritor veio lhe pedir o voto para uma vaga ainda inexistente, pois ninguém tinha falecido, ao que ele respondeu – “voto, desde que não seja na minha vaga”.
(ASCOM APL) — Como está o processo de criação do Museu da Escrita?
Bem, a ideia mudou bastante, pois como disse antes, estamos preparando a inauguração agora em janeiro do Museu da Cultura Literária Piauiense, mas com uma área sobre a escrita, inclusive com acervo que eu devo doar para o mesmo. Teve-se que arquivar, provisoriamente, o Museu da Cultura Piauiense, no antigo Meduna e hoje em um shopping. Era previsto material interativo sobre a cultura local em todos os seus aspectos, desde a literatura, a música, a dança, o teatro, as artes visuais, o folclore e a arte popular. A ideia continua de pé e pretende-se realizá-lo ainda, em parceria com o Prefeito Firmino Filho e com o apoio do Prof. Charles Camilo. Também está no radar, como já comentado, junto com o Instituto Histórico e Geográfico Piauiense, de promover um centro cultural na antiga sede do Tribunal de Contas do Estado, próximo do Palácio de Karnak. As ideias são muitas, talvez falte dinheiro e tempo, mas como disse o Max Weber, “só se consegue o possível, sonhando com o impossível”.