(*) Elmar Carvalho
Não pude comparecer à solenidade de lançamento do livro Política – Tempo e Memória, da autoria de Celso Barros Coelho, ocorrida no dia 8 de maio, a partir das 19:30 horas, como muito gostaria, em virtude de que na mesma data e horário foi lançado o meu livro Confissões de um juiz, em Parnaíba, em evento organizado pelo SESC-PI, ao qual sou grato. Soube, no entanto, que foi uma grandiosa festa literária, abrilhantada pelos discursos do autor da obra, do jornalista e escritor Zózimo Tavares e do empresário e ex-deputado federal Jesus Elias Tajra. Os dois últimos fizeram a apresentação e o prefácio, que ornam e enriquecem essas notáveis memórias.
Conheço o Dr. Celso desde o meado da década de 1980, quando eu exercia o cargo de fiscal da extinta Sunab, que funcionava no prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda, e, portanto, ficava perto de seu escritório, que na época era instalado em prédio situado na rua Álvaro Mendes, por detrás das Lojas Pernambucanas. Depois amiudamos nossa amizade e convivência, quando passei a integrar os quadros da Academia Piauiense de Letras, a partir do dia 19 de novembro de 2008. Foi ele quem nela me recebeu com belíssimo discurso, enfeixado no opúsculo A casa no tempo, de nossa autoria, minha e dele.
Em 19 de maio de 2006, na mesma solenidade em que recebi o honroso título de Cidadão Parnaibano, através de projeto de autoria do vereador João Batista Veras, então presidente da Augusta Câmara Municipal de Parnaíba, lancei o meu livro Lira dos Cinqüentanos, comemorativo, como o nome indica, de meu meio século de vida, cujo discurso de apresentação foi proferido por Celso Barros Coelho, a meu ver o maior orador vivo e o melhor que já conheci, em todos os aspectos, inclusive, voz, entonação, postura e conteúdo. Infelizmente, essa cintilante peça da retórica literária piauiense terminou se perdendo no meio dos papéis de seu autor, o que até hoje lastimo. Almejo que algum dia ela venha a ser encontrada, e assim possa ser publicada.
Ao retornar de Parnaíba, logo na segunda-feira, dia 11, pela manhã, tratei de ir ao escritório do Dr. Celso para adquirir o seu livro. Portanto, no corrente ano, já foram entregues ao público piauiense três livros de memórias: o dele, o do romancista, contista e advogado Ribamar Garcia, titulado “E depois, o trem”, e o deste cronista. Sem a menor sombra de dúvida, os dois primeiros são obras da mais alta relevância literária, e podem ser colocados entre os melhores desse gênero.
Política – Tempo e Memória, além de narrar os principais fatos e atos de sua rica trajetória política, também termina por expor outros episódios notáveis ou interessantes de sua vida, alguns remontando à sua meninice e juventude. Além de ter muito que contar, soube fazê-lo em diamantino e lapidar estilo, de frases elegantes, contudo concisas e claras, em que a beleza muitas vezes se reveste de genuína simplicidade.
O livro me revelou o que eu já aquilatava de sua personalidade, através de nossas conversas e da leitura de outros textos de sua lavra. Transparecem em suas páginas a ética e a cidadania do memorialista. Mesmo diante de perseguições e percalços, manteve a sua coerência e os seus princípios morais, sem se curvar às injunções circunstanciais da baixa política e sem lançar mão de oportunismos, que o momento ditatorial poderia ensejar ou suscitar.
Eventualmente traído por correligionários e “amigos”, que fraquejaram nos primeiros acenos da adversidade, optou por não conspurcar o seu mandato de deputado estadual, preferindo vê-lo cassado no dia 8 de maio de 1964, a ver manchada a sua biografia de homem público e de cidadão. Preferiu manter-se fiel a si mesmo e ao seu ideário de democracia e de liberdade, e à sua opção pelos mais pobres e mais humildes.
Em seus dois mandatos de deputado federal, que veio a exercer, participou de várias e importantes comissões, sobretudo as que tratavam de assuntos jurídicos e culturais. Teve a oportunidade de prestar relevantes serviços à legislação pátria, na condição de relator de importantes projetos, que se converteram em paradigmáticos diplomas legais, que lhe imortalizaram como jurista e legislador. Mesmo não tendo sido parlamentar constituinte, prestou notável contribuição à Constituição Federal de 1988, através de participação nos debates de convocação da Constituinte.
Em suas memórias, elucida e ilumina fatos e atos (e até mesmo omissões), da história do Piauí, sobretudo do início da década de 1960 a esta parte. Conquanto de forma sintética, delineia os perfis de importantes figuras políticas do Brasil e do nosso estado, registrando-lhes não apenas fatos e dados biográficos, mas traçando-lhes o retrato espiritual, fixando-lhes as ideias e virtudes, e eventualmente as fraquezas, ainda que circunstanciais ou momentâneas. Alguns desses perfis são antológicos, pela emoção e pela beleza que transmitem, pela captação do momento solar dessas personalidades.
Celso Barros Coelho poderia ter mantido o seu mandato de deputado estadual, injustamente cassado pela ditadura militar. Acenaram-lhe com essa possibilidade. Mas, como dito, ele preferiu não corromper o seu mandato. Optou por ser um legítimo “ficha limpa”, guardião da democracia, da liberdade e da cidadania. Não vendeu os correligionários, e nem tampouco se vendeu. Não expôs o seu mandato, que lhe foi outorgado pelo povo, em balcões de negócios espúrios.
Teve a “loucura” de se manter fiel a si mesmo e a seu ideário político e humanista. Buscou a grandeza da Política com P maiúsculo, e não as bijuterias, benesses e ouropéis da politicanalhice, sabedor, como o poeta Fernando Pessoa, de que “Sem a loucura que é o homem / Mais que a besta sadia, / Cadáver adiado que procria?”
(*) Poeta e membro da Academia Piauiense de Letras.