Hermínio Castelo Branco – Intérprete da Alma Nordestina

Reginaldo Miranda

Uma das maiores expressões da poesia popular nordestina foi Hermínio de Paula Castelo Branco, piauiense, nascido em vinte de maio de 1851, na fazenda Chapada da Limpeza, naquele tempo pertencente ao Município de Barras, hoje de Esperantina. Descendente de tradicional família piauiense era filho do tenente-coronel Miguel de Carvalho e Silva Castelo Branco, professor de português e retórica no antigo “Liceu Piauiense” e D. Maria Leonor Castelo Branco.

Embora descendente de família originalmente abastada, o poeta popular Hermínio Castelo Branco, não desfrutou de riqueza, vez que a fortuna de seus antepassados desapareceu com as gerações que o antecederam, sobretudo com seu avô Leonardo de Carvalho Castelo Branco, também poeta de muito valor e figura contestadora, envolvendo-se na Guerra da Independência, na Confederação do Equador e na Balaiada, sendo que, durante o primeiro episódio foi preso e enviado para a cadeia do Limoeiro, em Portugal, de onde retornou algum tempo depois.  Então, levando vida mais despojada, foi criado em meio aos vaqueiros e lavradores das fazendas de seus familiares, participando desde a meninice das caçadas, farinhadas, vaquejadas, festas, pelejas e cantorias populares. Aliás, nesse último aspecto cedo ganhou fama, vencendo grandes cantadores sertanejos. É que embora só tendo recebido a instrução primária ensinada pelo pai, era vivaz e inteligente, assimilando como ninguém a linguagem, crenças, costumes e hábitos sertanejos, traduzindo-os em sua criação literária. Daí a popularidade de sua obra. Com grande percepção e poder de síntese, era fiel e econômico nas palavras ao descrever vaquejadas, caçadas, festas populares, crendices, folclore e o ambiente sertanejo, fazendo com que o caboclo se sentisse retratado em sua obra. Cita-se como exemplo o poema “O vaqueiro do Piauí”, belo canto de exaltação à vide rude do sertanejo, descrevendo em pormenores o cotidiano da vaqueirice piauiense; só mesmo o contato permanente com a gente simples do sertão, para captar os mínimos lances na composição do poema “Um ajuste de casamento num sertão de farinhada”; as festas, crendices, desafios em torno da viola, estão presentes em “São Gonçalo nos sertões”“O drama do eleitor” é crítica profunda à corrupção e ao falho sistema eleitoral brasileiro, que, infelizmente ainda grassam nos dias de hoje; também, as viagens ao sertão, as caçadas, inclusive ao lado do tio Theodoro Castelo Branco, “o poeta caçador”, são pontos culminantes de sua obra, toda ela reunida na Lira Sertaneja, único livro do autor, lançado em junho de 1881, com o título de Ecos do coração. Dada à popularidade que angariou, tornou-se o livro mais reeditado da literatura piauiense, alcançando sete edições em vida do autor, sendo a última em 1887, quando sofreu a mudança de título indicada. A 8ª ed., primeira após a morte do autor, deu-se em 1906, pelo Livreiro Quaresma, do Rio de Janeiro; daí para cá foi reeditado mais três vezes, já se encontrando na 11ª edição. Hermínio Castelo Branco deixou mais alguns poemas esparsos em jornais da época, dez deles recuperados por Celso Pinheiro Filho e incluídos na 10ª edição de Lira Sertaneja.

No entanto, antes de toda essa produção literária, quando ainda vivia em meio às brincadeiras sertanejas, irrompeu a Guerra do Paraguai, quando muitos de seus parentes e amigos, inclusive o tio Theodoro Castelo Branco, seguiram para o campo de batalha. E Hermínio, que permanecera no Piauí, mal completara dezoito anos de idade, abandona o sertão do Longá, e alista-se no Exército em 15.01.1869, seguindo para o campo de batalha, na defesa da Pátria. É promovido a 1º Cadete em quinze de agosto do mesmo ano. Terminada a guerra, informa Celso Pinheiro Filho, “permaneceu no Exército, sendo comissionado alferes (2º tenente) e incorporado ao 1º de Infantaria, em 31.01.1872. Em junho do mesmo ano, foi confirmado no posto”. Serviu, sucessivamente, nas guarnições de Uruguaiana, Rio de Janeiro e Amazonas, retornando ao Piauí em março de 1880, depois de onze anos de ausência, sentando praça na Companhia de Linha do Piauí, onde logo mais foi reformado. Frise-se que havia retornado ligeiramente ao Piauí, no ano de 1871, para casar-se com Clarinda Benvinda de Castelo Branco.

Entre 1881 e 1884, já com seu livro publicado, passou uma temporada em Barras, na companhia do tio Theodoro Castelo Branco, trabalhando e divertindo-se em caçadas, de que resultaram alguns belos poemas incluídos em seu referido livro. Foi nesse tempo que recolheu os originais e editou em S. Luís do Maranhão, o livro Harpa do Caçador(1884), daquele poeta, tirando-o do limbo.

De retorno a Teresina, envolveu-se na política, filiando-se ao Partido Liberal, de que lhe resultaram alguns dissabores. Nesse mesmo tempo militou nos jornais O SemanárioO telefone eA Época. Com seu partido em queda, perseguido e sem oportunidade, mudou-se com a família para Manaus, no Amazonas, em 1886, onde foi bem recebido no meio literário. Apaixonado pelo Piauí, retorna em princípio de 1887, passando quase todo aquele ano, só retornando depois de meses. Todavia, adoecendo, retornou definitivamente para Teresina, em junho de 1889, onde faleceu, vítima de congestão cerebral, em dezoito de dezembro do mesmo ano. Tinha apenas 38 anos de idade o indigitado vate. Em 1917, com a fundação da Academia Piauiense de Letras, teve seu mérito reconhecido, sendo escolhido patrono da Cadeira n.º 02.

Embora sendo obrigado a viver grande parte de sua curta vida fora do Piauí, Hermínio Castelo Branco foi, entre nós, o mais fiel intérprete da alma nordestina, descrevendo com rara competência e exatidão o modus vivendi sertanejo, pintando quadros com a precisão de um grande artista do verso. A forma simples, popular, quase coloquial, ao sabor romântico como pintou esses quadros, retratando a natureza e a vida sertaneja, foi facilmente assimilada por pessoas do povo, que decoravam e declamavam seus poemas mesmo sem saberem ler, divulgando-os por todos os cantos. Foi essa a razão de ser da imensa popularidade que angariou.

(Artigo publicado no jornal Meio Norte, coluna Presença da Academia, edições de 10.11 e 17.11.2006).