Mestre Paulo Nunes, Cultura e Dignidade

Francisco Miguel de Moura*

Escrever sobre o Prof. Paulo Nunes não é fácil. Por isto me proponho apenas a desenhar uma simples crônica em memória de sua pessoa e de sua formidável cultura. Cultura, saber e prática, com dignidade, exemplos que fizeram parte de sua vida, fosse pública ou na luta comum de cada dia.

Por testemunho, quando cheguei em Teresina, com o desejo de aqui permanecer, no final de 1964, encontrei um Estado onde as manifestações culturais estavam praticamente em silêncio. Foi através do meu colega do Banco do Brasil, O. G. Rego de Carvalho, que soube do passado de Paulo Nunes, dos seus dotes de apaixonado pelas letras. O. G. Rego de Carvalho formara, com ele e outros literatos da época. o grupo que veio a chamar-se de “Meridiano”, por causa da revista do mesmo nome que editavam. O Prof. Paulo Nunes, creio que em virtude de sua função no Ministério da Educação, morava em Brasília. E outros da sua geração, como H. Dobal e Raimundo Santana, também haviam saído do Piauí para outros lares.  Então, nós, “os novos”, eu, Hardi Filho, Herculano Moraes e Tarciso Prado fizemos o nosso movimento cultural, criando o CLIP (Circulo Literário Piauiense). E logo depois viria, do interior, o Cineas Santos, que começava a aliciar os “mais novos”. Foi assim o começo da ressurreição cultural do Piauí.

Mestre Paulo Nunes

Mais, sem muita demora, chegava o Prof. Paulo Nunes, de volta ao Piauí. E imediatamente colocou a si a tarefar de avivar o Conselho Estadual de Cultura, órgão cultural que já existia, mas não funcionava. Reconhecendo o valor de Paulo Nunes, que, de Brasília, já vinha lutando pela criação da Universidade Federal do Piauí, o Governo do Estado o chamou para a Secretária de Cultura do Estado, que acabava de ser criada. Naquele momento, os “clipianos” e os “mais novos” já levantavam a voz (não obstante a terrível ditatura de 1964). Surpreendi-me, certo dia em que Paulo Nunes me convidou para fazer parte do Conselho Estadual de Cultura como membro-suplente. Com a sua atilada capacidade de descobrir as pessoas mais capazes e influentes na área da cultura, começava a chamá-los para o seu trabalho, os literatos e artistas. Lembro-me também da primeira vez que eu fora a Brasília. E ele, Paulo Nunes, foi ao hotel onde eu e D. Mécia nos hospedamos e convidou-nos e nos levou para um jantar em seu apartamento.

Na verdade, eu aceitei os seus convites porque sentia o valor de Paulo Nunes. E o seu chamado passou a ser era uma ordem para mim.  Depois de algum tempo me tornei um membro efetivo do CEC-PI, onde ele me incumbia de muitas tarefas. No Conselho, tive os melhores dias de minha vida literária, sempre apoiado por ele. Assim também apoiava os outros membros. Paulo Nunes foi um homem de inclusão do que era necessário, do que valia a pena. Sua palavra era ouvida com satisfação, como de um mestre, o que foi em toda sua vida, onde quer que estivesse.

Para mostrar que minha opinião sobre Paulo Nunes é ampla, acrescento o depoimento do jornalista Roberto Carvalho da Costa, de Brasília, após o anúncio do panegírico pela na Academia Piauiense de Letras:

“Se eu estivesse em Teresina, com certeza iria à solenidade. Sempre nossas conversas foram momentos de muito proveito. Ele dizia: Roberto, você é bem informado e informativo. Sabia que nós, os experientes, somos de mais conhecimento. Nunca discorde desta verdade…  Ele era profundo conhecedor não só da literatura brasileira, mas também da portuguesa. Tinha predileção por Júlio Diniz, Eça de Queiroz, Gil Vicente, Antero de Quental e outros.  Paulo Nunes será sempre lembrado e querido”.

Confirmamos que era ele um grande leitor das melhores obras da literatura brasileira e da de Portugal. Comentava com facilidade as obras de Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado e tantos mais, que seria impossível citar, além dos clássicos universais. Apraz-nos citar Gustavo Flaubert, Marcel Proust, Dostoiévski, Tolstói e Gabriel García Marques, os nomes mais frequentes de suas conversas. Assim, em artigos simples, comentava, com maestria, os famosos acima mencionados, entre outros. Também, em alguns momentos, escrevia sobre os nossos piauienses, que não eram muitos, mas com precisão e clareza. Falava sobre Alceu de Amoroso Lima e muitos outros críticos e historiadores da educação e da literatura brasileira, como se estivesse conversando com ele. Sua memória era fabulosa e trazia a beleza da frase e a precisão do conteúdo. E jamais esquecia os momentos importantes das letras do Brasil e do exterior.

Para resumir, Paulo Nunes nos deixa a imagem viva de uma grande figura humana e de escritor.  A comprovação do que digo, certamente será encontrada na leitura de seus livros editados pela Academia Piauiense de Letras, além do que ficou nos jornais e sobretudo na “Revista Presença”, órgão do Conselho Estadual de Cultura.

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*Francisco Miguel de Moura, membro da Academia Piauiense de Letras, poeta e escritor. Matéria escrita em Teresina-PI, em  09/09/02/2022.

ARTIGO: Modernismo & Vanguarda

Imagens: APL

                                        Por Francisco Miguel de Moura*

Desde o primeiro ao último estudo do livro de Paulo Nunes, cujo título encima este trabalho, é um repositório de comentários sobre temas e livros que devem ser lidos, meditados, discutidos e, como ele próprio fez, comentados na rua, nas instituições literárias, no jornal, ou onde mais haja tempo e condição. Creio que é esta a razão do livro.

Antes de entrar nalguns detalhes, quero dizer que Paulo Nunes escreve bem, correntemente bem, coerentemente bem. Portanto, dá gosto lê-lo, mesmo que não o aprovemos em algum ponto, em algum ponto ou ponto vírgula. Seria elogio dizer que um professor escreve bem, sabe escrever? Talvez não, se com isto quiséssemos apenas referir à gramática. Mas nós falamos aqui de estilo. E aí já é literatura, crítica literária. M. Paulo Nunes é realmente um crítico de verdade, de peso, de confiança, desde quando se refere aos clássicos da nossa ou de outras literaturas até quando comenta os piauienses.

Dito o geral, agora passemos às miudezas.

Gostei de encontrar um capítulo de “Autores e Temas Piauienses”, o penúltimo do livro, com os seguintes artigos: “Lucídio Freitas”, “A Poesia Popular de João Ferry”, “Uma Página Esquecida de Da Costa e Silva”, “Ginásio Frei Henrique”, “Memória da Faculdade de Filosofia”, “Poetas Piauienses”, “História da Educação no Piauí”, “Clodoaldo Freitas”, “A Literatura Piauiense e a Crítica Nacional” e “Despedidas”. São 10 artigos que o absolvem da pecha de não tentar familiarizar-se com a juventude escritora de sua terra.

No sexto artigo da série, cita H. Dobal e Hardi Filho entre os poetas consagrados e, entre os novos, Carvalho Neto, Cinéas Santos, Graça Vilhena e Marleide Lins. Eu, apesar de não vir em nenhum dos grupos, considero um balanço razoável e uma crítica importante ao livro “Baião de Todos”, de cuja antologia participei com alguns poemas, por convite do editor. A falta de citação, “não importando em nenhum desapreço”, conforme referiu M. Paulo Nunes, claramente representa a escolha de gosto do crítico e sua independência, o que é, sem dúvida, louvável.

Com relação a outro artigo, “A Literatura Piauiense e a Crítica Nacional”, quando essa matéria saiu no jornal tive a oportunidade de referenciá-la, mas não fui bem entendido ou não me fiz entender, razão por que seria extemporâneo estender-me aqui, exceto que o considero uma grande peça crítica.

Já “Uma Página Esquecida de Da Costa e Silva” tem sabor todo especial. É através de M. Paulo Nunes que a Academia Piauiense de Letras toma conhecimento e adquire o texto do discurso de Da Costa e Silva ao assumir sua cadeira na “Casa de Lucídio Freitas“, em janeiro de 1923, no qual faz o elogio de seu patrono, o Pe. Leopoldo Damasceno Ferreira. Embora o escritor Cristino Castelo Branco houvesse escrito que o discurso de Da Costa e Silva tinha sido publicado na “Revista da Academia”, no ano seguinte, na verdade houve uma suposição da parte do informante, pois ali nem alhures a peça oratória foi encontrada. Por isto vinha causando espécie aos pesquisadores, historiadores e acadêmicos em geral. A crítica é também para essas descobertas, esses achados bibliográficos.

Na verdade, não sinto nenhuma melancolia em falar da literatura do Piauí, do Brasil ou de qualquer lugar. Na literatura, o que importa é a obra, como ela é (se boa, forte, vigorosa, segura, nova, inovadora, etc. etc.). Não importa o lugar onde ela foi produzida. Isto de chamar literatura daqui ou dali é apenas uma forma didática de arrumar umas coisas para distinguir outras. Literatura é literatura, é a obra bem escrita, criativa, transmissora de emoções, conhecimentos expressivos e qualidade linguística. Portanto, também boa para ser lida. Agora, para nós outros que não somos críticos alinhados ao estruturalismo, que somos críticos ainda considerados impressionistas – que eu teimo, porém, em denominar de expressionistas – penso que a vida do autor deve ter algum interesse porque ela se reflete inelutavelmente na obra. Aí a crítica se completa. É ler e sentir a obra, escolher e tentar decifrá-la, encaminhando o leitor para sua leitura produtiva. E como encaminhá-lo? Entregando-lhe alguns trechos considerados mais expressivos, indicando caminhos de leitura, ou seja, o texto. Primeiramente o texto, é claro. Mas também o contexto (dentre o qual a vida do autor é o mais importante). E só a integração texto-contexto pode ajudar o crítico a resolver como escreverá seu metatexto, seu “intertexto”, seu “intratexto”.  Registre-se que estas duas últimas palavras são novas na crítica.

Manoel Paulo Nunes faz interessante a crítica didática, em texto vivo, apaixonado, cheio de observações e notas (que podem ser biográficas ou não). Para mim, uma crítica expressionista.  Por isto mesmo desperta o gosto da leitura. E não seria este o primeiro dever do crítico?

Por todas essas razões, “MODERNISMO & VANGUARDA”, de M. Paulo Nunes, é um livro que deveria estar em todas as bibliotecas do Estado e do país.

(*) Francisco Miguel de Moura, poeta e prosador, ocupa a Cadeira 8 da APL.Publicado originalmente no jornal “Meio Norte”, 3-11-2000.

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Paulo Nunes, autor de “Modernismo & Vanguarda”, na APL.