200 da Independência | A Revolução Brasileira de 1822 e seus momentos simbólicos

Em 2022, completam-se 200 anos da fundação do Império do Brasil, marco cuja significação transcende a história brasileira, elevando-se, por suas características peculiares, em evento da história institucional das Américas e de todo o Ocidente. A Independência, a Aclamação e a Coroação, cujo Bicentenário se aproxima, são datas que marcam a translação para as Américas da antiga dignidade imperial romana, cuja memória, conservada ao longo de séculos no Ocidente, entrara em crise no início do século XIX com o desmantelamento do Sacro Império.

A revolução brasileira

A expressão de uma Revolução Brasileira aparece em História do Brasil, de 1860, escrita por H. G. Handelmann (1827-1891), para marcar o período que vai do fim da censura – 28 de agosto de 1821, que estabeleceu oficialmente a imprensa no Brasil, até o ano de 1841. A obra do professor alemão foi traduzida no Brasil apenas em 1930, por Lúcia Furquim Lahmeyer, em edição do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O historiador mineiro, João Camilo de Oliveira Torres, usou essa edição para desenvolver o argumento de que o Brasil nasce, já em 1821, com uma “revolução” original. Nesse caráter particular a Revolução Brasileira teria logrado um “tríplice milagre”: a) manter unida a América Portuguesa; b) criar o Estado Liberal com êxito em um país subdesenvolvido; c) fazer a Revolução Legítima, consorciando os antigos e os novos princípios de legitimidade.

Desse modo, a Revolução brasileira é realizada em comum com uma iniciativa de Restauração, da ordem, da soberania real. Longe de uma situação revoltosa, a passagem da monarquia absoluta à constitucional envolvera um processo de construção tido como ordeiro. Esse teria sido o pioneirismo brasileiro.

Há momentos simbólicos que identificam essa transformação particular. O Brasil torna-se uma entidade soberana pela união da forma monárquica com o conteúdo democrático – como ficou expresso na Ata de aclamação de D. Pedro como imperador constitucional do Brasil, de 12 de outubro de 1822. Anteriormente, na “Carta de D. Pedro I a D. João VI”, de 22 de setembro de 1822, quando dá conta da separação entre os dois reinos, além do tom amável entre pai e filho, justificou a decisão afirmando que, “se o povo de Portugal teve direito de se constituir revolucionariamente, está claro que o povo do Brasil o tem dobrado, porque se vai constituindo, respeitando-me a mim e às autoridades estabelecidas”. Quer dizer, a postura de não se curvar àquele tipo de revolução que contaminava a Europa era uma atitude dos brasileiros, a qual o príncipe estava fazendo jus, atuando como um Restaurador.

Marcos simbólicos

Para Marcus Boeira há uma ordem de permanência única na formação do Brasil Independente, que se refere à presença do tomismo através da obra do padre jesuíta Francisco Suárez, especialmente, na formação constitucional brasileira. São três as fontes do poder trabalhadas pelo mestre jesuíta: 1ª) Deus; 2ª) Comunidade civil ou “democracia natural”, que é aquela que existe no momento prévio à formação do corpo político; e, 3ª) Pacto de Sujeição. No Brasil, cada uma dessas fontes foi recepcionada em três atos simbólicos de legitimação do Imperador e da Constituição de 1824: 1) a Aclamação, ocorrida em 12 de outubro de 1822, no Campo de Santana; 2) A Sagração, em 1o de dezembro de 1822, na Igreja do Carmo; e, 3) a Coroação de d. Pedro I, no mesmo dia e local da Sagração.

Embora não seja possível encontrar citações de Suárez nas posições do Patriarca da Independência, havia nele uma adequação entre “a doutrina política tradicional, simbolizada no instituto da translação, e a onda liberal doutrinária que informou primeiro o Conselho de 1822, e mais tarde a Assembleia no ano subsequente”, assegura Boeira. Mesmo o arremate político de José Joaquim Carneiro de Campos, que afirmou o equilíbrio constitucional com o liberalismo da época, demonstra que o Brasil se inclinou a um governo constitucional representativo, não por uma configuração de direito divino, “senão pela origem nacional do poder, ainda que temperada pela sagração e pela forte influência do catolicismo nas bases políticas do novo Império em ebulição”.

 

A Fundação Biblioteca Nacional convida para um episódio da série “200 da Independência”.

Quinta-feira, 5 de agosto de 2021, 17h.

A Revolução Brasileira de 1822 e seus momentos simbólicos

Por Flavio Daltro Lemos (Univ. Leiden) e Marcus Boeira (UFRGS)

Comentários de Daniel Fernandes (Gabinete, FBN) e Luiz Ramiro (CPE, FBN)

 

Flavio Daltro Lemos de Alencar é bacharel e mestre em história pela Universidade Federal Fluminense, bacharel em direito pela mesma universidade e doutorando pela Universidade de Leiden. É advogado e servidor público. Foi pesquisador visitante no Russell Kirk Center, em Michigan, e integra o Beemote – Grupo de Estudos e Pesquisa em Teoria Política e Pensamento Político Brasileiro do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ. Foi coordenador do Centro de Referência de História Fluminense do Museu do Ingá e atualmente é diretor do Instituto Arariboia.

Marcus Boeira é doutor e mestre pela USP (Universidade de São Paulo). Líder do Grupo de Pesquisa-CNPq: Lógica Deôntica, Linguagem e Direito. Foi professor visitante em estágio de Pós-doutorado na Pontificia Università Gregoriana, Roma. Atualmente é professor-adjunto e pesquisador vinculado ao Departamento de Direito Público e Filosofia do Direito da Faculdade de Direito da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

 

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