Recordar é viver!… Sequestrado pela ditadura!

Por Jonathas Nunes (*)
PARTE I

Na tarde de vinte e sete de março de 1965, no aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro, um certo Oficial da Aeronáutica, fardado e armado, juntamente com um sargento em uniforme de combate, portando uma submetralhadora , esperava com certa impaciência, a chegada de alguém. À espera de minha chegada, em voo comercial, que saiu de Brasília, na parte da tarde, com destino ao Rio de Janeiro.

Trata-se do Quartel General da 3ª Zona Aérea, bem ao lado do Aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro, e o Oficial é o Major da Aeronáutica Nereu de Matos Peixoto, braço direito do temido Brigadeiro JOÃO PAULO MOREIRA BURNIER.
Quanto a mim, servira até há pouco, na Escola de Material Bélico, na Vila Militar, Rio de Janeiro, e reformado compulsoriamente, no apagar das luzes do Ato Institucional nº 1, em 7 de outubro de 1964. Recém casado, estimulado por um irmão, abandono o Rio, e já em dezembro fixo residência em Brasília, com a perspectiva de conseguir emprego de professor para mim e para a esposa.

Na tarde de 25 de março de 1965, estava sentado no sofá da sala do apartamento cedido pelo irmão, na SQN 403/404, Asa Norte de Brasília, preparando-me para um teste de Matemática que seria feito no dia seguinte, com vista a conseguir um emprego de professor em Brasília.

De quatro para cinco horas da tarde, dois agentes da repressão adentram, pela porta da cozinha, o apartamento no segundo andar do Bloco, em Brasília, onde me encontrava. Um dos Agentes indaga se eu era o capitão JONATHAS de Barros Nunes. Respondendo afirmativamente, diz o Agente: “Capitão, temos ordem para que o Senhor nos acompanhe”! Mal refeito da surpresa, digo apenas: “mas, tem que ser agora”? Respondeu que sim! Conhecendo as circunstâncias que o país estava vivendo não indaguei quem era a autoridade coatora, tampouco a identidade dos agentes. A esposa havia saído para trabalhar na Escola Classe do Núcleo Bandeirante, bairro próximo do Plano Piloto de Brasília, e só retornaria às dezoito horas. Entro no quarto, troco de roupa, e retorno à sala somente com a roupa do corpo, isto é, calça comprida e uma blusa. Após breve passagem em um dos prédios da Esplanada dos Ministérios, cuja finalidade nunca soube, a dupla de Agentes desce com o preso pelo elevador e no mesmo carro Preto de antes, se desloca para o Setor Militar Urbano de Brasília. Pelo semblante dos Agentes, fiquei com a impressão de que algo havia mudado de última hora. Ao chegar ao Quartel da Polícia do Exército, ali já se encontrava no Corpo da Guarda, o Major Aluisio, subcomandante. Sou entregue então à custódia da Polícia do Exército. Até então os dois Agentes não haviam revelado o motivo do sequestro; face a isso, ao passar às ordens do Major Aluisio, resolvo protestar contra o que estava acontecendo comigo, agora na presença de um Oficial superior do exército, a cuja guarda estava sendo entregue. “Major, fui sequestrado dentro da minha residência por estes dois Senhores que se quer se identificaram e estranho que não sendo pelo visto militares que autoridade têm para prender um oficial do exército! Tempos difíceis! O Major Aluisio de calado passou a mudo, e o chefe dos Agentes ao deixar o quartel dá sinal de discordância de minhas palavras, como se quisesse mostrar estranheza e surpresa de minha reação em somente “botar as mangas de fora” quando já me encontrava dentro do quartel. Soube depois tratar-se de dois Agentes do Estado do Rio de Janeiro, a disposição do CENIMAR(Serviço secreto da Marinha).

No início da tarde do dia seguinte, finalmemte sou localizado e visitado por um colega de turma da AMAN, capitão Danilo Rubens Marini que servia em Brasília e comunicou o fato à família. Indaga surpreso o que estava havendo comigo. Respondi que não estava sabendo de nada. Dois dias depois, sou conduzido do Quartel da Polícia do Exército em Brasília para o Aeroporto, sob escolta do capitão Amarcy, outro colega de turma na AMAN. Já no Aeroporto de Brasília, me faz entrega do bilhete da passagem comercial para o Rio de Janeiro, e me informa que no Aeroporto do Rio, havia um Oficial a minha espera.

Sou tomado de surpresa, pois até então não tinha ideia alguma para onde estava sendo levado e achava que ele Amarcy iria comigo. Não me informou, nem lhe perguntei qual o Oficial nem para onde eu seria conduzido. No entanto, imaginei que seria algum Oficial do exército que me levaria preso para a Vila Militar em Marechal Hermes, no Rio de Janeiro. Entro na fila de passageiros para o vôo com destino ao Rio, como um passageiro qualquer, sem nenhuma escolta. Era uma tarde de 27 de março. Ao descer no Aeroporto Santos Dumond, no Rio de Janeiro, pego minha bagagem de mão, uma valise, com duas ou três mudas de roupa, material de higiene pessoal e Maria Helena por pura inadvertência, havia colocado também minha farda do exército. Dentro da valise, um livro de Física pois, preocupado em não perder o curso que mal estava começando na UnB, pedira à esposa que pusesse na valise o livro de Física ÓPTICA do Francis Weston Sears.

Imaginava que ainda no pé da escada ou ao adentrar o saguão do Aeroporto Santos Dumond, bem no centro do Rio de Janeiro, seria de imediato abordado por um capitão ou major do exército o qual logo me informaria da ordem superior de prisão.

Nada disso porém, aconteceu. Os passageiros do avião apanham suas bagagens, deixam o Aeroporto, e ninguém aparece para me prender.

Com estranheza, surpresa e um certo temor, fiquei olhando para um lado, olhando para o outro, a ver se aparecia algum Oficial fardado, pois, naquela época era considerado impensável alguém a paisana prender um Oficial do exército.

Por um instante, aproveitando o fato de que não aparecia ninguém para me prender, penso em pegar um taxi e ir para a casa da prima Adalgisa residente no Leblon, na rua General Venâncio Flores, 389, e no dia seguinte eu mesmo iria me apresentar no Ministério da Guerra. Fiquei porém, intrigado com essa ausência de alguém para me prender no Aeroporto. Um sexto sentido me impelia a ficar desconfiado de que, sendo véspera do primeiro aniversário da Ditadura, os Agentes da Repressão poderiam estar com alguma armação pronta: “… deixar o elemento aparentemente solto, esboçar uma saída de táxi ou…quem sabe a ajuda de algum suposto grupo subversivo, dando cobertura para fuga do Aeroporto…”. Haveria então uma fuzilaria no Santos Dumont , com fotos logo estampadas no dia seguinte, nas manchetes dos jornais”… era tudo o que a Repressão queria. Na realidade não havia “cerco” e sim um “circo” sendo montado pela Ditadura já no seu primeiro ano de vida. Valeu o sexto sentido, como a seguir verificado. Desconfiado, fiquei de pé, encostado no balcão de passageiros, uns quinze a vinte minutos, achando que alguma trama poderia estar havendo em torno da ausência de um militar fardado para me dar voz de prisão no Aeroporto. Fiquei bem encostado no balcão de atendimento do Aeroporto, atento a qualquer anormalidade, ciente de que qualquer ocorrência ou violência que houvesse contra mim, seria logo notada por algum funcionário presente no lado interior do balcão. De repente, ouço gritos de alguém, em voz alta: – Capitão Jonathas! Capitão Jonathas! O senhor está preso, sob minhas ordens! Surpreso, me volto para o lado e vejo caminhando a passos largos, na minha direção, um Oficial da Aeronáutica, fardado. Parecia estar escondido por trás de alguma das muitas pilastras do saguão do Aeroporto Santos Dumont! Ao seu lado, acompanhando, um Sargento também da Aeronáutica em uniforme de combate, portando uma submetralhadora engatilhada e apontada na minha direção. Ao contrário do Sargento, o Oficial da Aeronáutica estava em uniforme militar de passeio. Lembro-me bem do quepe do uniforme. Pelas insígnias notei tratar-se de um Major, e logo verifico seu nome de guerra: NEREU. Sou conduzido preso, a pé, ao Quartel da 3ª Zona Aérea, que fica logo ao lado, pegado no Aeroporto. Na entrada do Quartel, o Major, como de praxe, revista a valise. Ao se deparar com minha farda do exército, colocada por MHelena achando que talvez eu precisasse usar, foi um verdadeiro alvoroço, com o Major Nereu mostrando em altos brados que “esta farda prova que os subversivos estão pensando em desenvolver atividades contra-revolucionárias usando fardamento militar”.

(*) Jontahas Nunes é membro da Academia Piauiense de Letras